terça-feira, 21 de abril de 2015

Observação de Manchas Solares a Olho Nu.

1. Introdução

Muito se fala de observações realizadas a partir da Terra com instrumentos muito grandes, com aberturas ou diâmetros de até cinco metros. Hoje estão em funcionamento telescópios com 10 metros de abertura. Outras observações são feitas com a ajuda de satélites. Todas estas observações utilizam uma instrumentação sofisticada que está fora do alcance do astrônomo amador.
(*) Astrônomo amador suíço e Vice-Presidente da União Internacional de Astrônomos Amadores (IAAU).

Para apreciar estas fotos e imagens, precisamos de um outro instrumento que faz parte de nós mesmos e que tem uma abertura de apenas três milímetros - menos de um centésimo da abertura dos grandes instrumentos: o olho.

Somente o olho humano nos permite admirar todas estas belezas do céu. Assim sendo, pode-se dizer, sem exagero, que o olho é o instrumento astronômico mais importante do qual nós dispomos. Através dele nós podemos ver estrelas, o Sol, a Lua, etc. Mas sem os nossos olhos, nós nem poderíamos apreciar as maravilhosas fotos feitas com os grandes instrumentos.

Durante a minha vida profissional, como engenheiro, eu viajava muito. Estava fora de casa por semanas. Não era possível levar um instrumento astronômico comigo. Assim era impossível participar de um programa de observação sistemática. Por isso comecei a procurar um programa de observação que não precisasse de instrumentação especial e que fosse possível de realizar durante as viagens. Finalmente encontrei um artigo escrito por Hans Ulrich Keller na revista ORION (número 181, dezembro 1980) da Sociedade Astronômica da Suíça.

Que manchas solares são visíveis a olho nu é um fato bem conhecido. As observações registradas (quer dizer encontradas) mais velhas vêm da China e datam de 17 séculos. Os chineses comparam os tamanhos das manchas com ameixas, tâmaras, pêssegos, pêras, nozes ou ovos de galinha. Tudo isso é comestível. Mas supor que os astrônomos chineses sempre observavam quando tinham fome certamente não é justo nem é lógico. Além disso, cada um dos objetos citados, quando postos com o braço esticado, cobrem largamente o Sol inteiro. Como funciona então a comparação? Podemos admitir com boa razão que eles comparavam o tamanho do Sol com uma bacia chinesa que tem um diâmetro de cerca de um metro. Assim estes objetos dão proporções razoáveis das manchas solares. A observação só era possível quando o Sol ficava "filtrado" pela poeira do deserto ou pela neblina.

2. O Método Atual de Observações

Cada dia possível se observa o Sol. Não importa em qual momento. Assim, pode-se aproveitar a abertura nas nuvens, mesmo em tempo nublado. A observação pode ser feita de qualquer lugar: em casa, na rua, no trabalho, etc. É indispensável o uso de um bom filtro. O mais simples é um filme 35 mm preto e branco exposto e revelado. Não usar filme colorido ou vidro enegrecido com uma vela. Outro filtro possível, e muito prático, é o vidro de soldador número 14. O filtro deve ter uma densidade de aproximadamente 5. Conta-se e anota-se a quantidade de manchas visíveis, sem esquecer de anotar também ZERO quando não se vê mancha nenhuma. Assim obtém-se o número A diário. Não é necessário estimar o tamanho das manchas.

Nossa experiência ensina que a expectativa do observador inexperiente tem grande influência na detectação das manchas. Normalmente ele percebe um número bem menor do que o observador experiente. Os não habituados esperam encontrar manchas enormes, quando na verdade elas aparecem como pontinhos negros.

O tratamento estatístico das observações é muito simples. Para cada mês, uma média mensal MA é calculada dividindo-se a soma de todas as manchas do mês pelo número de observações:

As flutuações diárias e mensais são bastante grandes, de modo que um processo de alisar precisa ser adotado. Para se poder comparar esta média alisada com o número de manchas de Zürich (RZH), a média deve ser feita sobre o mesmo período de tempo, quer dizer, sobre 13 meses (R13). A seguinte fórmula foi adotada por Keller:

3. Resultados

Comecei a observar sistematicamente o Sol com o olho nu em fevereiro de 1981. A figura 1 mostra o resultado destes 15 anos de observações feitas por mim mesmo. A linha fina dá a média mensal MA, e a linha grossa a média alisada de MA. Podemos ver três fatos interessantes:

    - Obtive o último mínimo da atividade solar em setembro de 1986, de acordo com todas as outras observações feitas com telescópios.
    - Obtive o máximo do ciclo solar número 22 em junho de 1989, também concordando com as observações telescópicas.
    - Em 1990/1991 passamos por um máximo secundário. Isso já havia acontecido diversas vezes. Alguns acham que este seja o verdadeiro máximo.



4. Concordância com Observações Telescópicas

Comparo os meus resultados com aqueles da atual rede de Zürich, porque lá está sendo usado também o método de alisamento R13. A figura 2 mostra a correlação dos dois jogos de observação de setembro de 1986 a junho de 1989, quer dizer, do mínimo ao máximo. O fator de correlação de 0,997 é realmente surpreendente!

Correlação de A e RZH

Set 1986 a Jun 1989
MÍNIMO > MÁXIMO

FATOR DE CORRELAÇÃO = 0,997
R = 15,1 + 141,0 . A

A figura 3 mostra a correspondência do máximo até agosto de 1991 e a diminuição da atividade. A correlação é muito boa. O fator de correlação é de 0,956, mas a regressão linear é mais escarpada. Algo de incomum pode ter acontecido com o Sol.
Correlação das observações entre A e RZH

Jun 1989 a Ago 1991

FATOR DE CORRELAÇÃO = 0,956
R = 119,6 + 41,2 . A

A explicação é simples: entre o mínimo e o máximo aparecem muito mais manchas grandes que depois do máximo. Para um certo número RZH, baseado em observações telescópicas, o olho nu pode perceber menos manchas depois do máximo do que antes dele. Considerando os fatores de correlação bem altos que dão uma grande certeza aos resultados, posso afirmar com grande confiança que o último máximo de atividade solar aconteceu realmente em junho de 1989.

Correlação das Observações entre A e RZH
Ago 1991 a Jun 1994

FATOR DE CORRELAÇÃO = 0,9795
R = 6,9 +188,7 . A

A figura 4 mostra a correlação dos dois conjuntos de dados de agosto de 1991 até junho de 1994.

5. A visibilidade das manchas solares

Qual é o tamanho de uma mancha solar para ser visível a olho nu? Há alguns anos atrás, o nosso grupo solar da Sociedade Astronômica Suíça conduzia um teste com vários observadores. O resultado destes testes, conduzidos por Th. Friedli e H. U. Keller, mostra que:

- Para ser visível, a mancha solar deve ter um diâmetro de mais ou menos 24 segundos de arco, para a maioria dos observadores. Os três com visão mais aguda conseguiram ver manchas de 19 segundos de arco.

- Estes diâmetros são válidos para a observação com os dois olhos. Para ser visível com um olho só, a mancha deve ser 25% maior.

- A cor do Sol artificial, e em conseqüência a cor introduzida pelo filtro, não influi na visibilidade.

A experiência obtida durante as observações de manchas solares mostra os fatos seguintes:

- Uma mancha fica visível a partir e até 60 do centro do disco, ou mesmo 65 para as grandes. Assim ela fica visível durante mais ou menos 9 dias dos 13,5 dias da sua passagem do leste ao oeste. A grande mancha do segundo trimestre de 1991 foi surpreendentemente visível durante 11 dias, devido à sua latitude alta de 32 N, na qual o período de rotação é maior do que no equador. Esta mancha foi visível durante três rotações do Sol, e durante este tempo ela retardou 10 em relação à rotação média do Sol (25 dias).

- Para a visibilidade, tanto a umbra como a penumbra contam. Manchas com pequenas umbras despedaçadas e uma penumbra extensa são visíveis também. É uma questão de contraste.

- A densidade do filtro tem uma certa influência. Este não deve ser escuro demais, ou claro demais. De modo geral, quando a transparência torna a imagem do Sol ligeiramente clara, a detecção das manchas é mais fácil. Naturalmente recomenda-se uma grande cautela.

6. Perspectiva

A observação de manchas solares a olho nu parece ser um método anacrônico e trivial. Mas ela tem alguns aspectos muito positivos:

- É melhor praticar, isto é, fazer astronomia, em vez de somente ler e discutir astronomia. Muitas vezes estas discussões conduzem, exagerando e para assim dizer, a discussões sobre o sexo dos anjos!

- Estas observações são muito importantes e úteis para a iniciação e a introdução na prática observacional. Mostram bem os problemas do trabalho no limite das possibilidades. Elas podem ser feitas durante o dia e não precisam de muito tempo. É por conseqüência um programa ideal para principiantes, tanto para indivíduos como para grupos.

- Estas observações dão mais valor e peso às observações da Antigüidade, visto que mostram a proporcionalidade entre ambas e o número de manchas de Zürich. Neste sentido, têm valor científico.

- É possível alargar-se o programa, anotando-se num desenho a posição da mancha, assim como a hora e a data da observação. Com a ajuda de um anuário contendo a inclinação do eixo de rotação do Sol (ângulo de posição e latitude), pode-se distinguir as manchas nos hemisférios norte e sul.

7. A Rede A

Na Europa, um grupo de observadores de manchas solares a olho nu formou a Rede A. São atualmente 50 observadores em seis países, inclusive alguns observadores dos Estados Unidos. Os resultados são publicados na revista especializada alemã SONNE.
Posso convidar vocês a participar da Rede A? Estamos ansiosos em reduzir para zero os dias sem observação por causa de nuvens. Por favor, dirija-se ao coordenador da Rede A:
H. U. Keller
Kolbenhofstrasse 33
CH-8045 Zurich
Switzerland

Nota - Às vezes, quando o brilho do Sol é atenuado pela neblina, ou poeira no ar, as manchas podem ser vistas a olho nu e sem filtro nenhum, geralmente no nascer ou no pôr do Sol. O Sr. Keller está muito interessado nessas observações e pede que sejam comunicadas a ele, indicando as circunstâncias da observação.

Oservação de Manchas Solares com "Câmara Escura"

1. Introdução

Outro recurso muito útil para o acompanhamento das manchas e que não necessita de instrumentos ópticos é a "câmara escura", que é muito simples, mas, mesmo assim, permite que se façam desenhos do Sol, registrando-se a posição das manchas, seu tamanho, além de possibilitar a contagem das manchas com eficiência bem maior que a olho nu. Este recurso também favorece a constatação dos fenômenos e a sua explicação aos não iniciados. A rotação do Sol, por exemplo, é facilmente visível com um dia de intervalo. Este tipo de técnica faz bastante sucesso, quando se deseja fazer observações e não se dispõe de equipamento.

2. Princípios

Consideremos um pequeno orifício, como o que se obtém atravessando um alfinete ou um prego pequeno numa folha de papelão. Ao se dirigir o orifício para uma fonte luminosa, como lâmpada incandescente, a luz, ao atravessá-lo, formará uma imagem invertida em um anteparo branco; o tamanho da imagem é tanto maior quanto for a distância do orifício ao anteparo.

Como cada pequeno ponto do filamento incandescente forma não um ponto mas uma pequena imagem, esta não pode ser absolutamente nítida. Porém, como o orifício é pequeno, as "manchas" luminosas serão igualmente pequenas e por isso a imagem não ficará muito imprecisa. Também não importa a forma do orifício; aqueles que forem triangulares, desde que pequenos, produzirão também imagens, porém os orifícios circulares obtêm melhor desempenho no que diz respeito à luminosidade e à nitidez.

Câmara Escura

Um exemplo muito interessante disso é obtido quando se observa, num dia ensolarado, o chão coberto por pequenas áreas arredondadas de luz entre as sombras, embora sejam raros orifícios circulares. Estas manchas são na realidade imagens do Sol, produzidas por orifícios de forma irregular que se verifica na "junção" de várias folhas e são redondas porque o Sol é redondo. Num eclipse parcial, as áreas luminosas na sombra da árvore têm esta forma. Na verdade, em geral, a imagem produzida no chão é elíptica. Isto se deve ao fato de a projeção não se dar num plano perpendicular à direção do Sol.

O uso da câmara escura para formar imagem é bem antigo, data provavelmente do século IV a.C. e se deu na China. Em 1038 d.C., o árabe Ibn Al-Haithan fez a primeira descrição detalhada dos princípios da câmara escura e também construiu uma.

O astrônomo Johannes Kepler, em 1607, observou com auxílio de uma câmara escura o trânsito do planeta Mercúrio diante do Sol.
3. Câmara Escura Solar

No dispositivo que sugerimos, por uma questão de comodidade, o orifício será substituído por um espelho que deverá ser inclinado de modo a dirigir a luz do Sol para um papel grosso onde é feito o orifício de 3 mm com auxílio de um prego. O uso de um espelho permite, desde que apoiado adequadamente, que a imagem do Sol seja dirigida para uma parede, num ambiente o mais escuro possível, como o interior de uma sala. Isto se torna necessário para que se perceba melhor os detalhes mais débeis do Sol. A distância ideal entre o espelho e a projeção pode ficar entre 5 e 10 metros, o que produzirá uma imagem do disco solar de 5 a 10 centímetros de diâmetro.

A melhor relação luminosidade-nitidez é dada por:



4. Observação

Desenha-se, previamente, em uma folha de papel, um círculo com o mesmo diâmetro da imagem solar projetada. Sobrepõe-se a imagem ao círculo e inicia-se desenhando as manchas. Como o Sol caminha com grande rapidez precisamos de, periodicamente, reposicionar o papel utilizando-se como referência as manchas já desenhadas. Procure retocar, sendo o mais fiel possível ao que se observa. Algumas manchas mais débeis só são percebidas quando se fazem movimentos laterais rápidos, e uma vez detectadas devem ser registradas. Agora é necessário marcar os pontos cardeais para futura comparação com os desenhos feitos nos dias subseqüentes. Para tal, centre novamente o desenho com as manchas, escolha uma mancha bem visível e marque com um X ao lado de sua imagem. Mantenha agora o papel imóvel. Espere alguns minutos e marque com um X sua nova posição no papel; faça uma linha unindo os dois X. Terminada a observação faça uma outra linha paralela aos X passando agora pelo centro da imagem do Sol desenhado. Esta é a linha leste-oeste. Perpendicularmente a esta obteremos a linha norte-sul; note que no desenho os pontos cardeais estão invertidos em relação aos mapas. Os pontos cardeais que obtivemos não correspondem exatamente aos do Sol; no entanto se prestam muito bem para comparações num intervalo de tempo pequeno (poucos dias).

Para a contagem das manchas e o controle estatístico, pode-se usar o mesmo método apresentado anteriormente.








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